Artigos de Associados

Reflexões Sobre o Atendimento aos Idosos na Atenção Básica de Saúde

Lilian Suelen de Oliveira Cunha

O processo de transição demográfica em que o Brasil vivencia atualmente impacta diretamente no perfil epidemiológico da população. A elevada prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e ao mesmo tempo a persistência no país de doenças transmissíveis conforme expõe Veras (2009) traz uma série de questões cruciais para gestores e pesquisadores dos sistemas de saúde, com repercussões para toda a sociedade, especialmente em um contexto de acentuada desigualdade social, pobreza e fragilidade das instituições.

Neste sentido, o envelhecimento populacional provoca grandes desafios à Saúde Pública, visto as especificidades das necessidades de serviços e cuidados que essa faixa etária necessita. Esse processo de envelhecimento demanda mudanças na família, na comunidade e no contexto dos serviços de saúde.  Dentre essas mudanças, as novas disposições dos arranjos familiares requer um olhar mais atento em que se observa o aumento da proporção de idosos morando sozinhos e/ou dividindo espaço com parentes ou outras pessoas da sua geração.

Destaca-se que na condição de idoso morando sozinho amplia-se a necessidade do cuidado de profissionais na Atenção Primária à Saúde. Estudos mostram que existe associação positiva entre as relações interpessoais e o estado de saúde, indicando que a interação social diminui a associação entre a carga de doenças e sintomas depressivos (ROMERO, 2002). Deste modo, o apoio social reduz a relação entre comprometimento funcional e sintomas depressivos (HATFIELD et al., 2013). Ainda que morar sozinho seja um sinal de independência para as atividades de vida diária, pessoas idosas estão mais propensos a receber cuidado formal, comparativamente àqueles que residem com outras pessoas (CAMARGOS et al., 2011), assim morar sozinho pode-se tornar um indicador de vulnerabilidade.

Nesta perspectiva, acredita-se na ideia do planejamento como um modo racional de apoio à viabilidade de políticas públicas para a população idosa, uma vez que a saúde, como um setor público da sociedade, incorpora e emprega a lógica do planejamento para seus serviços e para a organização do seu próprio sistema de saúde. O planejamento constitui uma possibilidade de aproximação real às necessidades e demandas da população, além de ser uma forma de conjugar aquilo que realmente a população necessita para manutenção de uma vida equilibrada e autônoma na saúde com aquilo que os serviços de saúde ofertam (ABRAHÃO, 2007).

Nesta lógica, o tipo de problema determina o método de planejamento a ser empregado. Assim, no cotidiano das equipes de estratégia de saúde da família, os problemas são de diferentes ordens e exige ações estratégicas para o seu enfretamento. Entre os casos amplos e complexos para as equipes de saúde faz parte a situação de saúde de pessoas idosas. Caberá aos profissionais de saúde, em todos os níveis, de forma intersetorial e multiprofissional, conforme suas competências, prover os meios para alcançar o propósito do planejamento em saúde dos idosos.

Segundo o Ministério da Saúde, por meio da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), estabelecida pela Portaria n° 2.558/2016, e considerando a necessidade de que o setor de saúde disponha de uma política atualizada relacionada à saúde dessa população. Com isso, direciona por intermédio de diretrizes: a promoção do envelhecimento ativo e saudável; às ações intersetoriais, visando à integralidade da atenção; provimento de recursos capazes de assegurar a qualidade da atenção à saúde da pessoa idosa; estímulo à participação e fortalecimento do controle social; formação e educação permanente dos profissionais de saúde do sistema único de saúde (SUS), divulgação e informação sobre a PNSPI para profissionais de saúde, gestores e usuário; promoção de cooperação nacional e internacional das experiências na atenção à saúde da pessoa idosa; e apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas.

Um novo olhar, de cuidado e respeito, deve ser direcionado aos idosos, dando-lhes dignidade. Os profissionais de saúde, em especial os inseridos na Atenção Básica, exercem papel fundamental nessa mudança (MONIER; SOARES, 2016). Corroborando com as autoras ler-se no documento norteador Programa Acompanhante de idosos São Paulo (2012) cabe aos gestores e profissionais da saúde de todos os níveis de atenção do SUS promover a qualidade de vida da pessoa idosa, bem como preservar sua autonomia e independência funcional.

Entende-se que as equipes de saúde na Atenção Básica têm a oportunidade de conhecer a realidade dos indivíduos em seu contexto social e intervir nela, ou seja, são importantes instrumentos na promoção da saúde (CARDOSO et al., 2011). Então, reflete-se de que forma essas equipes podem desenvolver seu trabalho para um idoso morando sozinho? Ampliar o vínculo entre o usuário e a equipe (Estratégia Saúde da Família e Núcleo de Apoio da Saúde da Família) por meio de visitas domiciliares, envolver a comunidade e buscar por familiares no cuidado deste idoso, acolher este idoso na rede de serviços de suporte social, possibilitando um acompanhamento humanizado de sua condição de vida e saúde.

A assistência à saúde da pessoa idosa deve ser baseada na continuidade, em um cuidado integral, uma vez que o atendimento médico individual esporádico e restrito somente às complicações não tem atendido às necessidades dessa população. Para atingir a meta da continuidade da assistência, os profissionais de saúde precisam, portanto, desvencilhar-se do padrão de cuidado isolado, fragmentado, paternalista e autoritário; renovando o método de trabalho e adotando como filosofia o trabalho em equipe interdisciplinar, com visão de totalidade do ser humano, de forma que a pessoa idosa seja vista como um todo, considerando sua história de vida e deu contexto social (MARIN et al., 2010).

A integralidade ampliada à pessoa idosa permeia a articulação do cuidado de cada profissional, de cada equipe e dos gestores. A construção da rede de atenção é fundamental para esse cuidado integral, universal e equânime. Observa-se que mesmo com todas as políticas, leis e ações voltadas para a população idosa, a atenção ainda é incipiente. Portanto, os profissionais da equipe de saúde da família devem estar atentos à mudança do perfil populacional da sua área de abrangência e estabelecer vínculo de forma a garantir uma atenção integral e contínua a esta crescente população.

Fonte imagem: Freepik.com

 

Referências bibliográficas:

ABRAHÃO, A.L. Notas sobre o planejamento em saúde. In.: MATTA, G.C. Políticas de saúde: organização e operacionalização do sistema único de saúde./ Organizado por Gustavo Corrêa Matta e Ana Lúcia de Moura Pontes. Rio de Janeiro: EPSJV / Fiocruz, 2007.

CAMARGOS, M. C. S.; RODRIGUES, R.N.; MACHADO, C.J. Idoso, família e domicílio: uma revisão narrativa sobre a decisão de morar sozinho. Revista Brasileira de Estudos de População, Rio de Janeiro, v. 28, p. 217-30, jan./jun. 2011.

CARDOSO, A.F.et al. Protocolo de atenção à saúde do idoso. Tubarão: Copiart, 2011. 128p.

HATFIELD, J.P.: HIRSCH, J.K.: LYNESS, J.M. Functional impairment, illness burden, and depressive symptoms in older adults: does type of social relationship matter? Int J Geriatr Psychiatry [internet], (28):190-98. Available from: http://onlinelibra ry.wiley.com/doi/10.1002/gps.3808/epdf. 2013

MARIN, M.J.S; et al. Características sócio-demográficas do atendimento ao idoso após alta hospitalar na estratégia da saúde de Família. Rev. esc. Enferm. USP. 2010.

MONIER, E.B.; SOARES, R.R. Saúde do Idoso e a saúde da Família. Caderno de Saúde da Família. São Luís. Universidade Federal do Maranhão. UMA-SUS/UFMA, 2016.

ROMERO, D. E. Diferenciais de gênero no impacto do arranjo familiar no status de saúde dos idosos brasileiros. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 4, p. 777-94, 2002.

VERAS, R. Envelhecimento populacional contemporâneo: demandas, desafios e inovações. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 43, n.3, p. 548-554, 2009.


Sobre a autora:

Lilian Suelen de Oliveira Cunha

Profissional de Educação Física e com Especialização em Residência Multiprofissional em Saúde da Família pela Universidade Federal de Santa Catarina.

E-mail: [email protected]

 

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