Artigos de Associados

Covid-19, a Economia e a Morte de Idosos

Maria Joana Zucco

 

Li, recentemente um interessante trabalho de ANA AMÉLIA CAMARANO (IPEA), intitulado “Os dependentes da renda dos idosos e o coronavírus: órfãos ou novos pobres?” (CAMARANO, 2020).

Segundo a pesquisadora, 73,8% das mortes registradas por Covid-19, no Brasil, até 1o de julho de 2020, ocorreram com indivíduos de 60 anos ou mais – idosos, portanto. Na sequência, Camarano demonstra estatisticamente o impacto que tais mortes criarão na renda de uma grande proporção das famílias brasileiras, o que desmistifica a visão tradicional do idoso dependente, do idoso como peso familiar e social. Pelo contrário, a pesquisa mostra a importância da renda do idoso para as famílias, e em que escala o idoso ainda é o maior provedor da economia familiar, seja pelo que recebe como aposentadoria e/ou pensão, seja como renda de seu trabalho.

O trabalho é interessante e merece uma leitura cuidadosa.

Concordo inteiramente com a questão retratada pela pesquisadora. Mas gostaria de apontar um outro viés dessa mesma questão. Alguns membros do governo, por sua inercia diante do problema, parecem pensar que as mortes dos idosos representarão um lucro para a Previdência… Contudo, esquecem que este lucro se reverte em empobrecimento das famílias, o que demandará mais recursos em políticas sociais… E do ponto de vista do “bolso” do governo (economicamente), acaba tudo no mesmo. Porém, sob a ótica política (ou politiqueira) sabemos que, quando dependente da Assistência Social, a população se torna muito mais vulnerável e à mercê do governo. Talvez isso seja interessante para quem quer ganhar eleições.

Outro ponto a ser considerado vai além do aspecto econômico. Trata-se do retrocesso ao avanço científico, tecnológico, humano e social do país e do mundo.

Durante as últimas décadas, falamos muito no aumento da longevidade humana: como um ganho e como um desafio. É inquestionável que nós, brasileiros adultos de 2020, teríamos, em tese, uns 30 anos de expectativa de vida a mais que nossos avós! O mundo lutou muito contra a mortalidade infantil, cientistas trabalharam diuturnamente e avançaram sobretudo na medicina, em muitas outras áreas e na tecnologia de comunicação desses novos conhecimentos, o que, direta ou transversalmente, propiciou atingir esta longevidade. Governos mais democráticos e a implementação de políticas públicas sociais, que permitiram melhores condições de vida aos mais vulneráveis, também, em muito colaboraram.

Mas veio a Pandemia e com ela, pelo menos para aproximadamente 78 mil idosos brasileiros (até hoje), esta longevidade foi encolhida em 5, 10 ou até 30 anos… (“O que são 78 mil pessoas numa população de 215 milhões?” pensarão logo alguns…).

São 78.000 vidas abortadas, com seus planos, seus sonhos, seus amores, suas famílias… São 78 mil vidas, dentre as quais poderia ser a sua, a minha, a de seu pai, sua mãe, sua irmã, ou a de outras tantas pessoas que você ama. Os números deixam de ser frios quando assumem rostos, histórias.

E nas situações de escassez de recursos de saúde – humanos e materiais –, a morte dos idosos é uma realidade ainda maior, por serem mais vulneráveis e requererem cuidados nem sempre disponíveis. Uma tragédia anunciada, um verdadeiro genocídio!

Se cada brasileiro não assumir, com responsabilidade, o compromisso com a precaução e a prevenção, continuaremos tendo muitos óbitos, 73% dos quais seremos nós, as pessoas idosas.

              Fonte imagem: Freepik.com

Referências bibliográficas:

CAMARANO, A. A. Os Dependentes da Renda dos Idosos E o Coronavírus: Órfãos ou Novos Pobres? Nota Técnica n° 81 IPEA, 2020. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/200724_nt_disoc_n_81_web.pdf . Acesso em 11/08/2020.


Sobre a autora:

Maria Joana Zucco

Advogada (30.863 OAB-SC)

Associada da ANG SC e conselheira (pela ANG SC) do Conselho Municipal do Idoso de Florianópolis.

E-mail: [email protected]

 

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