Artigos de Associados

O desafio da realização da vida no envelhecimento

2.3-O DESAFIO DA REALIZAÇÃO DA VIDA NO ENVELHECIMENTO

Nelson Frederico Seiffert

 

No primeiro plano de uma realização exitosa da vida em idosos situa-se o desafio de lidar com perdas nos diferentes aspectos de competências funcionais, tanto da saúde corporal como cognitiva. Modelos de configuração da vida em idades avançadas precisam incluir processos de controle das perdas. Resultados de pesquisas indicam que a imposição de objetivos pessoais desempenha um importante papel e que a escolha de objetivos pessoais (seleção), o esforço em melhorar e perseguir objetivos (otimização) e a substituição de perdas (compensação) conduzem a um envelhecimento bem-sucedido.
Uma definição clara de novos objetivos pessoais para substituir e condicionar perdas, com um foco centrado sobre o processo de condução da vida, em vez de focar apenas sobre a expectativa de resultados, pode ajudar a evitar novas perdas em épocas futuras (Freund & Hennecke 2012).

2.3.1-Configuração da vida em idade avançada

Em idade avançada ocorre numerosas modificações, as quais representam um desafio para o suporte das condições de vida. Estas modificações ocorrem em grande parte por perdas no processo de desconstrução somática, como perdas da funcionalidade corporal, perdas da fluidez da inteligência e da capacidade da memória. No entanto, estas perdas não são uma regra geral para todas as pessoas, muitas das quais apresentam maior estabilidade funcional em idades avançadas, como por exemplo, no âmbito individual da fala e da capacidade cognitiva.No campo individual, em idades avançadas, podem ocorrer inclusive ganhos, como por exemplo, maior satisfação pessoal através do incremento de contatos sociais. No caso da aposentadoria ocorrem efeitos de perdas e ganhos. Por um lado, a aposentadoria está ligada a perdas de contatos com colegas de trabalho e de uma estrutura diária baseada em uma rotina estável. Por outro lado, a aposentadoria oferece a abertura de novas possibilidades através da liberdade de utilização do tempo livre, como a realização de passeios e viagens, o desenvolvimento de hobbies, prática de esportes, entre outras. O tempo após a aposentadoria traz consigo um grande potencial para incrementar ações otimizadas que ofereçam suporte a vida de pessoas idosas.
As modificações individuais que surgem em idades avançadas, representadas por perdas crescentes de habilidades corporais e decorrentes de normas sociais ou de expectativas para esta fase da vida, impõe desafios especiais para a sustentação da qualidade de vida de pessoas que envelhecem. Por esta razão, assumem elevada relevância os processos que atuam sobre a forma de como lidar com as perdas que atingem o envelhecimento.
Diversos estudos e pesquisas propuseram modelos que oferecem orientações de apoio ao envelhecimento, os quais possibilitam administrar modificações e manipular recursos de saúde que se alteram com a idade. A diferença central entre estes modelos situa-se no foco, que pode ser direcionado a uma abordagem proativa, reativa ou pela adoção de controles psicológicos. O modelo de Seleção, Otimização e Compensação (SOC) coloca na formulação de sua teoria de aplicação, prioritariamente, processos proativos e motivacionais.
O modelo da Seleção, Otimização, Compensação – SOC, proposto por Baltes & Baltes (1990) citado por Freund & Hennecke, (2012) postula que o desenvolvimento exitoso do envelhecimento pode ser definido como a maximização simultânea de ganhos de desenvolvimento pessoal e a minimização de perdas. Estas podem ser promovidas através da ação conjunta da seleção de objetivos, da otimização de fatores de desempenho e na compensação de inabilitações funcionais, adoção de estratégias de comportamento, auto regulação e uso de recursos de apoio funcional. O modelo estabelece que a persistência em alcançar objetivos pessoais é o princípio fundamental de suporte a uma vida exitosa no envelhecimento.
A Seleção é definida como o desenvolvimento de escolhas, priorização e contextualização de objetivos (a caracterização de objetivos individuais dentro de seu contexto pessoal de vida), bem como o comprometimento com os objetivos escolhidos.

A seleção exitosa indica que a escolha de objetivos está baseada no pressuposto de que ocorre um leque de alternativas que podem ser introduzidas no processo de envelhecimento para a melhora do desempenho físico e cognitivo individual. O processo de seleção leva o foco a um certo número de possibilidades limitadas que sejam realizáveis pelos indivíduos, e de um modo geral, idosos em idades avançadas estabelecem e conduzem apenas um pequeno número de objetivos. Tal abordagem conduz mais realisticamente a um desempenho exitoso destes objetivos na superação de desabilidades e permite conduzir melhor o dia a dia, quando comparado com pessoas que se conformam com os fatos que os afetam ou deixam-se conduzir pelos acontecimentos, aceitando as perdas.
A otimização orienta-se sobre a persistência na melhoria de objetivos, os quais buscam um ganho de desenvolvimento pessoal. Para isto conta a aquisição e ganho de novas habilidades, o reforço de recursos pessoais, o treinamento de habilidades, a orquestração de habilidades e o investimento de tempo com foco no alcance de objetivos claramente estabelecidos. Os processos de otimização conduzem a elevação ou manutenção de níveis de funcionalidade mais elevados.
Pelo fato de que as perdas se acentuam no envelhecimento o processo de compensação apresenta uma elevada importância. Compensação significa a inclusão de meios para atuar no controle ou substituir perdas, como por exemplo no uso de cadeira de rodas quando o aparelho locomotor apresenta restrições de mobilidade.
Estratégias típicas de compensação são a substituição de habilidades perdidas através da aquisição de novas habilidades, o uso de recursos não utilizados ou a inclusão de suporte através de outra pessoa.
Na administração de modificações no estado de saúde causadas por perdas funcionais, os procedimentos adotados no modelo SOC estão ligados ao planejamento de manutenção da saúde. A aplicação diária de seus princípios possibilita a reabilitação em pessoas, mesmo em idades mais avançadas. Na prática de intervenção deveria estar incorporado o treinamento sobre o uso de estratégias de suporte e proteção a perdas por inabilitações corporais e cognitivas. Os resultados demonstram que na adaptação de objetivos de manutenção da saúde, após a incidência de restrições físicas, a introdução de recursos de compensação pode minimizar o efeito de perdas.
Enquanto que, em idosos jovens a prioridade é o acúmulo de recursos, de facilidades, da otimização na formação educacional, das finanças, da interação familiar, do uso do tempo livre, em idades mais avançadas, as pessoas passam a ser confrontadas com perdas de motivação, da mobilidade e da capacidade cognitiva, havendo necessidade da adoção de medidas que estimulem a manutenção do nível funcional. Não apenas elevar o nível de motivação para evitar agravamento de perdas, mas também perseguir objetivos ligados a valores subjetivos de bem-estar.

Em idosos com idades avançadas os objetivos buscam medidas que possam reduzir perdas funcionais, enquanto que em adultos jovens os objetivos buscam alcançar níveis elevados de desempenho funcional corporal e cognitivo.
A adoção de medidas de suporte para a realização da vida em idades avançadas não depende apenas do domínio do controle exitoso da evolução das perdas, mas também na configuração da própria vida, através do estabelecimento de objetivos pessoais capazes de ser perseguidos. Ao longo do curso de vida é necessária uma orquestração de estratégias que previnam o agravamento de perdas e possam elevar o desenvolvimento de ganhos.
Na prática, parece que a auto regulação para perseguir objetivos pessoais descortina um campo de atuação no qual ainda é possível que sejam obtidos ganhos pessoais. No caso da nutrição e de dietas para emagrecimento, por exemplo, idosos conseguem bons resultados. Outros resultados de auto regulação indicam a importância da imposição de objetivos na regulação emocional que causam efeitos negativos e no reforço da manutenção de efeitos positivos. Os resultados indicam também que a auto regulação é um processo que pode ser treinado através de intervenções objetivas, e que é possível o seu desenvolvimento, mesmo em idades avançadas (Freund & Hennecke, 2012).

2.3.2-Gestão da multimorbidade e doenças crônicas

Em estágios mais avançados do envelhecimento os indivíduos estão sujeitos a sofrer a incidência de doenças decorrentes da multimorbidade e de doenças crônicas. As pessoas são atingidas simultaneamente por diversas doenças, nas quais não há possibilidade de uma cura definitiva, o que impõe modificações orgânicas e psíquicas e que exigem uma nova adaptação do modo de vida. Nesta etapa a tarefa de gestão das inaptidões decorrentes da doença requer uma forte cooperação entre o doente e as pessoas que irão oferecer apoio e tratamento.
As enfermidades que ocorrem no envelhecimento são influenciadas por recursos pessoais dos indivíduos, por terapias desenvolvidas a partir do conhecimento das características das doenças, por intervenções terapêuticas e pelo apoio disponível no ambiente social do idoso. Em pessoas com idades mais avançadas os recursos cognitivos tendem a sofrer regressão. Esta condição pode influenciar o desenvolvimento de um tratamento efetivo, pela dificuldade de obter informações através do doente para a caracterização das diferentes causas de inabilitações que o atingem e o desenvolvimento da terapia adequada.
Em idades mais avançadas as doenças que afetam os indivíduos apresentam características especiais de multimorbidade e ser de caráter crônico. A morbidade manifesta-se com grande probabilidade através de diversas enfermidades simultâneas. No grupo de pessoas com 70 anos ou mais, o número de indivíduos que são afetados por cinco ou mais doenças chega a 30%, e com isto, também se eleva o número de pessoas que passam a tomar um maior número de medicamentos. Estas enfermidades manifestam-se como doenças crônicas, caracterizam-se por sua longa duração e não oferecerem possibilidades de cura.
A gestão de doenças crônicas e das limitações decorrentes de sua incidência está centrada fundamentalmente no manejo conjunto de aspectos subjetivos da vida individual e dos efeitos resultantes que sobrecarregam a pessoa através das restrições no uso dos recursos corporais e cognitivos.
Para a gestão da administração exitosa de doenças crônicas é indispensável conhecer a condição dos recursos individuais, físicos, cognitivos e ambientais disponíveis, a clara compreensão e aceitação da doença pelo indivíduo e a introdução de medidas de intervenção capazes de atuar sobre os recursos pessoais e sobre a compreensão e aceitação da doença pelo doente.
Para a tomada de decisão sobre medidas de tratamento, os estudos levam em consideração, além da listagem das enfermidades incidentes no indivíduo, a caracterização dos recursos pessoais que podem ser lançados mão, a orientação a ser dada para a terapêutica e o convencimento da pessoa doente sobre a eficiência de medidas de controle do stress resultante. Contam para o tratamento, ao lado do conhecimento detalhado da doença, a disponibilidade de recursos sociais e de apoio familiar.
Pelo lado da aceitação da doença é de importância central que haja uma conscientização pela pessoa afetada de que a doença incorpora em seus aspectos de tratamento uma modificação no comportamento e do modo de vida. Neste aspecto existem diversos conceitos de intervenções como programas de aprendizado no caso da diabete, no controle do stress, medidas de terapia familiar, os quais são disponibilizados por instituições públicas ou privadas e que contribuem para a efetividade de medidas de tratamento direcionadas aos doentes.
Entre os diversos modelos de intervenção que são propostos, dois distinguem-se por seu foco de atuação sobre crises em geral e limitações causadas por doenças. Em um modelo por exemplo, a pessoa atingida experimenta modificar ativamente a vivência da doença. Noutro é modificado o conceito das limitações que atingem o indivíduo, caracterizados quais valores são modificados e quais objetivos serão adaptados, de forma a desconstruir as limitações ou mesmo propor a sua não aceitação. Neste caso, por exemplo, é possível introduzir controles que exercem influência sobre as condições do ambiente externo, como na redução de barreiras existentes no ambiente residencial que afetam a mobilidade e podem causar lesões e quedas.
As medidas de intervenção são estruturadas para levar ao enfraquecimento ou eliminação de dificuldades causadas por doenças crônicas e baseiam-se em especial no trabalho conjunto ativo do paciente. Além de mudanças no modo de vida diário, contam por exemplo, a auto regulação da ingestão dos medicamentos e a visitação regular para consulta e acompanhamento médico.
A gestão de doenças direcionada a pessoas idosas deveria estar focada especialmente sobre as reservas de recursos da pessoa, em fatores motivacionais, bem como em variáveis cognitivas. Os modelos de terapias estão fortemente influenciados por especificidades individuais e os objetivos para uma intervenção otimizada precisam decorrer do planejamento e conduzidas no contexto biográfico dos pacientes (Kliegel et al, 2012).

2.3.5-Fontes de consulta

BOERNER,K, Umgang mit Verwitwung, In: Wahl,H,W, Römer,T,C & Ziegelmann, Angewandte Gerontologie, Stuttgart, Kohlhammer, 2012.

CLEMENS,W, Vorbereitung auf und Umgang mit Pensionierung. In: Wahl,H,W, Römer, C,T, & Ziegelmann,J,P. Angewandte Gerontologie, Stuttgart, Kohlhammer, 2012.

FREUND,A,M, & HENNECKE,M. Lebensgestaltung im höheren Alter. In. Wahl,H,W, Römer,C,T & Ziegelmann,J.P. Angewandte Gerontologie, Stuttgart, Kohlhammer, 2012.

KLIEGEL,M, BROM,S,S,MELZER,M & AKGÜN,C. Krankeit und Krankeitsmanagement. In: Wahl,H,W, Römer,C,T & Ziegelmann,J,P, Angewandte Gerontologie, Stuttgart, Kohlhammer, 2012.

O ESTADO DE SÃO PAULO, Economia-Editorial Econômico, Aumento sazonal do déficit do INSS, 02/01/2015.


Sobre o autor:

Nelson Frederico Seiffert

Doutor em Engenharia de Produção, com a tese de Doutorado sobre Gestão Ambiental. Trabalhou em Pesquisa na EMBRAPA durante 25 anos.

Desenvolve atualmente estudos na área de Gerontologia Ambiental e Aplicada. Conduziu Seminários sobre Gerontologia Ambiental e Aplicada no NETI/UFSC em 2015, 2016 e é Diretor Técnico Científico da ANG/SC – GESTÃO 2017/2019.

E-mail: [email protected]

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