Artigos de Associados

Recursos individuais e diagnóstico geriátrico

2.1 RECURSOS INDIVIDUAIS E DIAGNÓSTICO GERIÁTRICO

Nelson Frederico Seiffert

 

2.1.1-Envelhecimento uma experiência subjetiva

Mas como definir o envelhecimento? Em sociologia e demografia o envelhecimento corresponde a períodos do curso de vida, algumas vezes arbitrários, algumas vezes baseados em estatísticas epidemiológicas, segundo as quais, as perdas funcionais maiores surgem em média após os 80/85 anos. (Epidemiologia, ramo da medicina que estuda os diferentes fatores que intervém na difusão e propagação de doenças, sua frequência, seu modo de distribuição, sua evolução e à colocação de meios necessários para sua prevenção).A etapa da vida caracterizada perla velhice, com suas peculiaridades, só pode ser compreendida a partir da relação que se estabelece entre os diferentes aspectos cronológicos, biológicos, psicológicos, sociais e ambientais. Essa interação institui-se de acordo com as condições da cultura na qual o indivíduo está inserido. Condições históricas, políticas, econômicas, geográficas e culturais produzem diferentes representações sociais da velhice e também do idoso. Há uma correspondência entre a concepção de velhice presente em uma sociedade e as atitudes frente às pessoas que estão envelhecendo.
Atualmente, os especialistas no estudo do envelhecimento referem-se a três grupos de pessoas mais velhas: idosos jovens (65 a 74 anos), idosos velhos (75 a 84 anos) e idosos mais velhos (85 anos, 95 ou mais). Idosos jovens mantem-se ainda ativos, apesar de já poder apresentar, ou não, pequenas restrições corporais ou cognitivas, enquanto idosos velhos e mais velhos são segmentos que apresentam maior tendência a manifestar perdas funcionais que impõe dificuldades para desempenhar atividades comuns da vida diária. Embora esta categorização de grupos etários seja usual, as pesquisas revelam que o processo de envelhecimento é uma experiência heterogênea, vivida como uma experiência individual.
O envelhecimento aparece associado a doenças e perdas, e é a maioria das vezes entendido como apenas um problema médico, ligado à deterioração corporal e cognitiva. O avanço da idade é percebido comumente como um processo contínuo de perdas e de dependência que induz uma identidade de falta de condições, responsável por um conjunto de imagens negativas associadas a velhice.
Na realidade, existem diferentes formas de se definir e conceituar a velhice. Uma delas é a definição preconizada pela Organização Mundial da Saúde, que é baseada na idade cronológica, na qual a definição de idoso inicia-se aos 65 anos nos países desenvolvidos, e aos 60 anos nos países em desenvolvimento. O envelhecimento humano, é entendido como um processo influenciado por diversos fatores, como genética, gênero, classe social, cultura, padrões de saúde individuais e coletivos da sociedade, condições ambientais. Não pode apenas ser definido pela idade cronológica, mas pelas condições físicas, funcionais, mentais e de saúde das pessoas, o que equivale a afirmar que podem ser observadas diferentes idades biológicas e subjetivas em indivíduos com a mesma idade cronológica.
A idade biológica é definida pelas modificações corporais e mentais que ocorrem ao longo do processo de desenvolvimento e caracterizam o processo de envelhecimento humano, que pode ser compreendido como um processo que se inicia antes do nascimento do indivíduo e se estende por toda a existência humana.
A idade social é definida pela obtenção, pelo indivíduo de hábitos e status social, para o preenchimento de muitos papéis sociais, ou expectativas em relação às pessoas de sua idade, em sua cultura e em seu grupo social. Um indivíduo pode ser mais velho ou mais jovem dependendo de como ele se comporta dentro de uma classificação esperada para sua idade em uma sociedade ou cultura particular.
A idade psicológica pode ser compreendida como as habilidades adaptativas dos indivíduos para se adequarem às exigências do meio. As pessoas adaptam-se pelo uso de várias características psicológicas, como aprendizagem, memória, inteligência, controle emocional, etc.
Mas o que é o envelhecimento psíquico? Se envelhecer é sobretudo uma experiência pessoal e subjetiva, o que é então sentir-se velho? É evidente que, é menos uma questão de idade, portanto do tempo que passa, mas é por ocorrência de golpes de perda de memória e inteligência súbitos, perdas graves que atingem o indivíduo, que faz com que ele perceba sentir-se envelhecer. Eventos que fazem envelhecer referem-se sempre a perdas, luto, doenças, acidentes e rupturas. Um tempo de etapas que são passadas, que encarnam a partida das crianças de casa, a passagem para a aposentadoria, o divórcio, a morte de pessoas queridas ou alterações da própria integridade física. É por isto que a psicologia (ciência que trata do estado e processos mentais, do comportamento do ser humano e suas interações com o ambiente físico e social) procura definir a experiência de envelhecer em função das reações que provocam estas diversas experiências e perdas.
A partir destas premissas podem ser sugeridas três modalidades psíquicas, que se inscrevem de forma subjetiva no tempo que passa:
1-O avanço da idade, que é um processo permanente, que o calendário modela convencionalmente ao curso, do qual, perdas afetivas, físicas e de identidade são compensadas por ganhos simbólicos, imaginários ou reais. Maturidade, status ou novas liberdades oferecem então um sentimento de enriquecimento ou de satisfação.
2-O envelhecimento caracterizado pela falta de compensação das perdas. O sentimento de perda irremediável predomina, levando o indivíduo a se convencer que nenhuma melhora de sua situação poderá ocorrer e que toda a esperança é em vão.
3-O envelhecimento psíquico, ou se instala em uma condição duradoura de dependência que priva definitivamente o indivíduo de todas, ou parte de sua liberdade e de seu poder sobre a vida. Não somente as perdas podem não ser compensáveis e
irremediáveis, elas obrigam, daqui em diante, o indivíduo a se submeter a outro para efetuar os gestos mais habituais da vida quotidiana.
Pode-se viver longamente, isto é avançar em idade durante numerosos anos, sem necessariamente sentir-se como velho. Pode-se também sentir o envelhecimento em idades muito variáveis, desde logo que o sentimento de perdas predomine e sufoque o desejo de viver. Pode-se igualmente, tornar-se velho em idades muito diferentes, quando se instala a dependência que priva o indivíduo do poder sobre a sua vida. Pode-se ainda avançar em idades como 70, 80 e 90 anos e jamais sentir-se velho, nem mesmo envelhecendo.
É neste contexto que intervém a idade subjetiva. Os avanços de idade medidos pelo calendário e balizado pelos aniversários mostram que os sentimentos de envelhecimento não têm nada a ver com a cronologia. Pode-se envelhecer psiquicamente a 40, 50, 80 anos, e rejuvenescer subjetivamente a 50 ou 70 anos. Numerosos estudos consagrados a idade subjetiva mostram que, após atingir 30 anos, a pessoa se sente geralmente mais jovem do que realmente é. De fato, a idade subjetiva medida por diversas escalas psicológicas, mostra que ela é 10, 15, 20 anos inferior a idade cronológica. Por outro lado, pode-se perceber, quando se festeja um aniversário nos tempos de 60, 70 anos, tendemos a reaproximar a idade subjetiva com a idade cronológica, ou seja, assimilamos nossa idade real.
Pode-se, no entanto, também notar que o luto e acidentes da vida fazem envelhecer subjetivamente. Este senso de envelhecer é um sentimento subjetivo, quando uma acumulação de perdas nos lembra a realidade de nossa idade, e mesmo a percepção individual da idade subjetiva pode ultrapassa a percepção da idade cronológica.
O período de crescimento, que caracteriza a infância e à adolescência é, em princípio, feito de ganhos. A idade subjetiva é nesta época superior a idade cronológica, manifestada pelo desejo de crescer. O avanço da idade do adulto, após 30 anos caracteriza-se, ao contrário, pela necessidade de compensar perdas por meio e novos ganhos. A idade subjetiva torna-se então pouco a pouco inferior a idade cronológica, mas tendo a ilusão da juventude dentro de uma percepção modificada do tempo. O tempo parece, com efeito, passar mais e mais rápido na medida que se passam os anos.
O envelhecimento, sinônimo de alienação e de perda de poder sobre sua vida, corresponde ao tempo de abandono de todas as referências cronológicas em benefício do refúgio em uma idade desligada da realidade do tempo que passa. É por isto que a velhice é um sentimento subjetivo. Este sentimento que pode atingir uma pessoa de 60, como 95 anos, mas também permanecer totalmente estranha a um indivíduo de 90 anos, o qual irá tender a considerar a maior parte das pessoas com 80 anos, como mais velhas que ela (Helson 2008).

2.1.2-Qualidade de vida no envelhecimento

Na Gerontologia a aplicação da intervenção gerontológica pode ser considerada como o resultado dos conhecimentos obtidos pelos estudos e pesquisas comprovadas pela ciência do envelhecimento. Aponta para as múltiplas possibilidades de uso do desenvolvimento de resultados de pesquisas aplicados a aspectos relevantes da individualidade e da plasticidade dos indivíduos idosos, tanto no âmbito físico, psíquico e social (Wahl, Tesch-Römer & Ziegelman, 2012).
A qualidade de vida individual é o resultado de um conjunto de recursos ligados a condição de saúde física, psíquica, de interação social e ambiental que pode estar disponível ao longo do curso de vida. Estas condições são particularmente relevantes no contexto de redução do potencial da efetividade destes recursos durante o processo de envelhecimento. A intervenção gerontológica orientada sobre a baixa disponibilidade destes recursos pode resultar na sua recomposição, na otimização, na realocação de recursos que se fragilizaram ou que não estavam disponíveis previamente. Deve ter em vista, não apenas a reposição e ganhos na funcionalidade dos recursos de saúde individuais, mas também na realocação de recursos ambientais para a manutenção da qualidade de vida. Em diversos campos os recursos de suporte da qualidade de vida podem assumir funções compensatórias, cujo potencial repousa em parte sobre a sua disponibilidade individual prévia. As intervenções orientadas sobre o potencial dos recursos individuais devem sobretudo procurar a sua aptidão para compensação e dentro de uma estratégia preventiva. Isto é particularmente importante na fase inicial do processo de envelhecimento, e que tem uma relevância central nos campos de recursos sócio demográficos, da cognição, da saúde corporal, e do comportamento social. É uma estratégia que tem em mente as futuras perdas que se correlacionam com o curso de vida e pode assegurar a estabilidade e a própria qualidade de vida individual nas fases mais avançadas do processo de envelhecimento. Dentro do foco preventivo da intervenção gerontológica sobre a base de recursos que dão sustentação ao envelhecimento, cabe ainda considerar a necessidade de que seja reforçada a infraestrutura do contexto ambiental onde o indivíduo vivencia o processo de envelhecimento (Röcke & Martin 2012).

2.1.3-Recursos individuais

O conceito de recursos na literatura da Gerontopsicologia é bastante citado, mas mal definido. Adaptações gerais e teorias do stress focam recursos em relação a fatores de risco, como características de pessoas e do ambiente, as quais trazem dificuldades para o controle de condições de vida menos difíceis. Um grande número de características pessoais, genéticas, psicossociais, socioeconômicas, características motoras, cognitivas e sensoriais (comportamento, nível de formação educacional) bem como contextos de vida, junto com sua estrutura de oportunidades (tempo livre, infraestrutura de apoio na comunidade residencial) são incluídos no conceito de recursos.
Quando abordamos aspectos genéticos, nem sempre é fácil traçarmos uma linha de separação entre o que é genético e o que é hereditário. Quando falamos em genes, pensamos em herança direta de características bem definidas. Entretanto não são apenas as características externas que são determinadas pela expressão de genes. Todos os eventos que desencadeiam a formação de um ser com formas definidas, cujas partes possuem função definida, são determinadas por genes ou baterias de genes. Mutações em tais genes podem ser dramáticas para o organismo, como no caso do desenvolvimento do câncer ou também no caso de ocorrer uma transmissão de herança genética da diabete mellitus.
O papel da genética no envelhecimento é complexo, isto porque a herdabilidade é muito baixa, e diferentes genes podem responder a diversos estímulos ambientais, que quando somados, podem determinar maior ou menor tempo de vida, e diferentes genes podem responder a diversos estímulos ambientais, que podem influenciar o tempo de vida (Cruz, 2002).
Da mesma forma, mesmo quando são separados, os recursos pessoais como cognição, saúde corporal, comportamento social, são percebidas ainda habilidades auto reguladoras (estilo de realização) e o contexto de vida (tipo de moradia), as quais são também computados como recursos. Uma determinada função ou microssistema de vida pode também estar contida dentro da perspectiva de recursos, e as possibilidades de um dia a dia autônomo, independente, através de uma boa condição de saúde é um recurso central para o bem-estar subjetivo.
A possibilidade de se manipular a disponibilidade e a qualidade dos recursos individuais oferece um campo importante para intervenções gerontológicas que dirigem seu foco para elementos positivos de desenvolvimento. Recursos disponibilizam ferramentas de manejo para suporte da vida de idosos e definem o campo de operações para intervenções. Pessoas com muitos recursos alcançam, via de regra, um maior nível de bem-estar e uma maior qualidade de vida, do que pessoas com baixa disponibilidade de recursos.
As intervenções na base de recursos de pessoas idosas objetivam a descrição das características do estado de seus recursos e a definição de quais medidas podem ser aplicadas que conduzam a um desenvolvimento exitoso no sentido da maximização de ganhos e a minimização de perdas. Visam o manejo das modificações destes recursos com o sentido de prescrever uma melhor possibilidade de adaptação às modificações e de condução do modo de vida. A prescrição é para orientar a adoção de estratégias para adequado suporte da vida no sentido da melhor alocação de recursos. Tem um papel importante nas intervenções em campos funcionais específicos como diferenças cognitivas, sensoriais e motoras e para modelos de auto regulação emocional.
Um pressuposto fundamental da psicologia do alongamento de vida é que no desenvolvimento do curso de vida ocorrem tanto ganhos como perdas, e que o balanço, com base nas modificações dos recursos, indica que estes podem ser modificados e reforçados para favorecer a saúde a adiar perdas de funcionalidades. O adiamento de perdas produz um necessário reforço do suporte da vida pela redistribuição dos recursos em diferentes âmbitos que favorecem atividades diárias.
O Modelo de Otimização Seletiva com Compensação – SOC, de Baltes & Baltes (1990), citado por Röcke & Martin (2012) por exemplo, é orientado tanto para recursos como a processo. Descreve estratégias exitosas de suporte a vida orientadas sobre modificações do contexto individual. Pode ser, por exemplo, com foco na baixa disponibilidade de determinado recurso (seleção). Pode propor intervenções em recursos já existentes com objetivo em sua melhora (otimização). Pode focar na manutenção do nível funcional de determinado recurso (até então não visado), para compensar o desgaste de outro recurso já em fase de fragilização (compensação).
Diversas características intrínsecas e externas contribuem para o conjunto dos recursos individuais que atuam no desenvolvimento de uma vida prolongada. São parte integrante dos recursos que podem ser considerados como meios positivos de ajuda no desenvolvimento do envelhecimento, mas também como fatores de risco.
Estão correlacionados ao envelhecimento como aptidões para compensar desgastes e possibilitar compensações de perdas funcionais e manutenção da qualidade de vida.
Os recursos individuais colocam-se como ponto de partida para a intervenção gerontológica, que está focada na manutenção, restauração de recursos pessoais, bem como na adequação de características ambientais que cercam o indivíduo. Diferenças individuais no percurso da fase de envelhecimento, nos campos centrais da saúde corporal, cognição, bem-estar, refletem diferentes formas de ajuste dos indivíduos, entre a própria demanda de recursos e sua disponibilidade.
O “Modelo de Pilares Múltiplos que Afetam a Qualidade de Vida” pode ser usado como critério para a orientação de intervenções gerontológicas pessoais. Segundo este modelo as intervenções gerontológicas podem ser direcionadas para a manutenção da qualidade de vida com a ajuda de processos de compensação entre os diferentes recursos disponíveis, de forma que, sua redução, ou perda de algum deles, não leve necessariamente a uma minimização da qualidade de vida (Figura 1).

6-Saúde corporal; 2-Cognição; 4-Relacionamento social; 3-Recursos financeiros;
5-Ambiente residencial; 1-Infra-estrutura

 

São exemplos de intervenção para melhora da qualidade de vida individual:
Por Seleção:
Se o Recurso 1 for infraestrutura deficiente na área de moradia, como transporte precário, distância dos serviços de saúde, vizinhança perigosa, este recurso poderia ser selecionado como sendo o objetivo de ser alterado prioritariamente, efetuando-se a mudança para um novo local de moradia em local mais apropriado.
Por Otimização:
Se o Recurso 2 for Cognição, este pilar da qualidade de vida no envelhecimento pode ser otimizado, buscando-se participar de novos treinamentos e capacitações que reforcem a atividade cerebral (curso de línguas, informática, treinamento da memória), e com isto, reforçando este pilar do bem-estar individual.
Por compensação:
Se o recurso 6 for Saúde corporal, estiver afetado por perdas funcionais e fragilizando a mobilidade da pessoa idosa, esta poderá compensar estas perdas por reforçar o ambiente residencial (recurso 5) ajustando-se a uma nova realidade, pela redução do mobiliário para favorecer o transito entre dependências, adequação das portas ao deslocamento por cadeira de rodas, etc.
A perda de familiares ou pessoas amigas, que fragilizam o Recurso do relacionamento social (Pilar 4), deve também desencadear a busca pelo estabelecimento de uma nova rede de relacionamentos sociais, que atuem de forma compensatória, o que também pode resultar de esforços no reforço do pilar 2 relacionado atividades participativas em grupos de capacitação.

2.1.4-Intervenção gerontológica orientada a recursos

Os recursos individuais, colocam-se, ao lado de outros fatores contextuais e objetivos pessoais, como um ponto central de abordagem para a intervenção gerontológica. As diferentes características internas e externas de cada pessoa, comportam a maior parte das abordagens da intervenção gerontológica orientada a recursos. Todas estas abordagens têm em comum a característica de se orientarem aos objetivos de: regulação de perdas; uma maior efetividade de recursos que podem ser modificados em idades avançadas; a maximização de ganhos; e ao mesmo tempo, a minimização de perdas de recursos funcionais.
Intervenções orientadas a recursos podem ser diferenciadas, de um modo geral, sob o seu ponto de abordagem. Podem ter o objetivo de equilibrar perdas pela reconstrução doe recursos, pela prevenção do desgaste de recursos, ou pelo reforço do nível de determinado recurso. Quando um recurso sofre modificações ou perdas causadas pelo envelhecimento, existe um grande conjunto de possibilidades de aplicação de resultados do aprendizado sobre o potencial de plasticidade do indivíduo. Ganhos de recursos são, por exemplo, obtidos por treinamento da memória, pela concretização de novos contatos sociais, assumir novas atividades de uso do tempo livre, melhorias no tratamento e manutenção da saúde.
Intervenções que visam recursos disponíveis no ambiente externo ao indivíduo também podem ser incluídas neste contexto. Contextos de vida externos podem conter diferentes campos sociais, culturais, características de infraestrutura locais, os quais, no sentido de possibilidades de intervenção, atuam como compensação para perdas internas de recursos pessoais, como mobilidade, saúde e comportamentos sociais (pontos de encontro de idosos, sistema de transporte, vizinhança, etc.).
A alocação ótima de recursos já existentes pode ainda ser considerada uma estratégia para reforço de demandas individuais. É exemplar o Modelo de Pilares Múltiplos de Sustentação da Qualidade de Vida (Figura 1), que tem por foco o princípio do equilíbrio, composição, ajuste de perdas de recursos, através de uma reconstrução ou um reforço preventivo. O foco central é a busca da manutenção dos pilares de sustentação da qualidade de vida e não necessariamente a sua elevação. O ponto de partida é o conjunto de recursos que estão disponíveis e que são bastante distintos entre os indivíduos.
Uma característica do modelo é que o reforço de recursos individuais após uma perda pode levar a estabilização da qualidade de vida e não, automaticamente, a uma
melhora da qualidade de vida. O modelo sugere intervenções que tem por foco assumir funções compensatórias em pilares com recursos fragilizados. Como exemplo, em perdas funcionais de saúde, pode um reforço no pilar de recursos sociais levar a uma estabilização da qualidade de vida. O modelo também indica que, a possibilidade de reforço em determinados pilares de recursos possa ser efetuada preventivamente. Pode também, em uma fase posterior à perda de um determinado recurso, assumir uma função compensatória, pelo reforço em outros pilares de sustentação da qualidade de vida.
A disponibilidade de um maior conjunto de recursos oferece um maior leque de oportunidades de compensação. Estas abordagens são suportadas por teorias que consideram que, um maior número de facetas de características individuais oferece um maior campo de atuação para intervenções, que atuem na manutenção da vivência pessoal, mesmo quando haja a ocorrência de perdas significativas em determinados recursos (Röcke & Martin 2012).

2.1.5-Diagnóstico geriátrico

A intervenção gerontológica na esfera do indivíduo parte do princípio de que existe um diagnóstico geriátrico que caracteriza o estado físico e psíquico do idoso. O Diagnóstico Geriátrico pode ser descrito como a “medicina multifuncional, psicológica e de análise”, com o objetivo de se estabelecer um plano de longo prazo para o tratamento e cuidados do indivíduo idoso. Em um diagnóstico padronizado, aspectos cognitivos, status emocional, mobilidade, funções orgânicas, autossuficiência na condução do dia a dia e aspectos ambientais do entorno do indivíduo são sistematicamente caracterizados e incorporados aos cuidados e tratamento de idosos. Para diferentes Intervenções (prevenção, tratamento de doenças, reabilitação, tratamento de longa duração) é previsível que estas ações interagem na manutenção da funcionalidade, autossuficiência e redução de tratamento em hospitais e da internação em instituições de longa permanência.
Primeiro Passo:
O tratamento médico e o cuidado ao idoso é resultante de um diagnóstico geriátrico que avalia diversos aspectos fundamentais, podendo ser nominados:
1-Multimorbidade e complexidade
Muitas pessoas idosas sofrem simultaneamente danos por diversas doenças e com um método de avaliação multidimensional é possível estabelecer prioridades de intervenção.
2-Problemas desconhecidos
Muitas pessoas sofrem doenças desconhecidas e problemas que podem ser potencialmente modificáveis. Com isto podem ser interpretadas como consequência normal do envelhecimento, como restrições das funções cognitivas, auditivas e da visão.
3-Enfermidades crônicas
O tratamento de doenças crônicas visa atuar sobre a minimização de seus efeitos sobre a vida quotidiana. Ao lado do tratamento medicinal também é necessária uma avaliação funcional com base no diagnóstico geriátrico.
4-Interação com fatores sociais e ambientais
Condições de saúde do dia a dia são influenciadas pelos recursos sociais como a rede social e situação do ambiente residencial da moradia.
5-Exames laboratoriais.
Um diagnóstico geriátrico inclui inicialmente dados de um exame minucioso de resultados de análises laboratoriais.
Segundo Passo
Os dados do primeiro passo são complementados por verificação de aspectos funcionais do indivíduo, que são considerados o segundo passo do diagnóstico, e compreende:
1-Função afetiva
Uma avaliação sistemática de ocorrência de depressão. Um questionamento direcionado a depressão é oportuno, porque mesmo sintomas leves de depressão podem sugerir uma terapia combinada, medicamentosa e psicossocial.
2-Atividade diária
A avaliação da autonomia do dia a dia é um elemento central do diagnóstico por poder captar possíveis influências de doenças crônicas de funções que influenciam no contexto físico e social. O status funcional pode ser avaliado através de: 1- condução de atividades diárias como: nutrição, higiene, trato corporal, uso das instalações sanitárias, movimentação. 2- Desempenho de funções diárias como realização de compras, manuseio de roupas, preparo de refeições, uso de medicamentos, controle financeiro e quitação de contas. 3 – Cumprimento de agendas em atividades sociais, profissionais, esporte e viagens.
3-Cognição
Um teste mental mínimo compreende a identificação e controle da evolução da demência no envelhecimento e deve despertar precocemente a sensibilidade para uma avaliação neuropsicológica completa.
4-Mobilidade e quedas
Devem ser realizados testes para avaliar a mobilidade e a insegurança no deslocamento que são precursoras de quedas.
5-Saúde bucal
Tanto do ponto de vista funcional como estético o aspecto dentário tem um significado especial no envelhecimento e inclui o apoio de serviços odontológicos. Através de métodos atuais preventivos e de reabilitação é possível manter uma saúde bucal até estágios avançados do envelhecimento.
6-Dores
Sem considerar um órgão específico é importante a caracterização da dor. Nela não é somente considerada a intensidade da dor, mas também a sua influência sobre a autonomia, mobilidade, contatos sociais.
7-Audição e visão
A capacidade auditiva e visual é avaliada por testes objetivos com relação a sua funcionalidade em diferentes estágios do envelhecimento e avaliação de deficiências e formas de reabilitação podem ser conduzidas precocemente.
8-Avaliação social
Pressupõe uma descrição da rede de suporte social, o que pode ser realizada por um questionário simples, o qual pode revelar risco de isolamento e necessidade de medidas de integração social.
9-Vizinhança
A condição da área do entorno residencial é frequentemente pouco analisada, mas é de importância central no diagnóstico e aconselhamento. Uma visita a
residência permite avaliar qual o itinerário utilizado para deslocamentos no espaço próximo e se este apresenta condições favoráveis ao indivíduo idoso.
As evidências indicam que a aplicação do Diagnóstico Geriátrico tem um resultado relevante, de forma que são caracterizadas prioridades individuais e que possam ser aplicados planos de tratamento pessoais eficientes, seja na prevenção, na reabilitação, no tratamento hospitalar ou o caso de internação em instituições de longa permanência (Stuck, 2012).

2.1.6-A intervenção pela terapia Genética

Surgido nos laboratórios em 2012, uma ferramenta molecular genética (CRISPR-Cas9) está, a partir de agora, a fazer história. CRISPR-Cas9 agrupa o nome de uma grande proteína (Cas9) a um acrônimo – CRISPR – (palavra formada pela inicial, ou por mais de uma letra de cada um dos segmentos sucessivos de uma locução, ou pela maioria destas partes, ex. ONU).
CRISPR em inglês “Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats”, significa “curtas sequências palindrômicas repetidas, agrupadas e regularmente espaçadas”. Palíndromo significa palavra que pode ser lida, indiferentemente, da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda.
Em três anos apenas, CRISPR-Cas9 ganhou a fama de revolução. Trata-se de uma ferramenta de “edição genética”, que funciona de modo similar ao algoritmo de tratamento de texto (tipo word), e permite editar qualquer texto através de toques como procurar, copiar, colar, etc.
Isto é o que exatamente pode fazer o CRISPR-Cas9, mas transportado à genética, atuando sobre o DNA, que no caso da espécie humana possui mais de 3 milhões de letras. É uma ferramenta que permite aos cientistas inserir ou suprimir pedaços de DNA com uma precisão incrível e realizar coisas impossíveis, afirmam as pesquisadoras Jennifer Doudna e Emmanuelle Charpentier do Institut Max-Plank, Alemanha (Science & Vie, nº 1180, pg. 44, janvier 2016). Tais possibilidades foram já testadas com bactérias, plantas, leveduras, mamíferos e agora, sobre humanos.
O DNA – Ácido Desoxirribonucleico é um composto orgânico cujas moléculas contém as instruções genéticas que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e alguns vírus, e que transmitem as características hereditárias de cada ser vivo.
O seu principal papel é armazenar as informações necessárias para a construção das proteínas de ARN’s. Os segmentos de DNA que contém a informação genética são denominados genes. Do ponto de vista químico, o DNA é um longo polímero de unidades simples (nanômeros) de nucleotídeos, cuja cadeia principal é formada por moléculas de açúcar e fosfato, intercaladas, unidas por ligações fosfodiester. Ligada a molécula de açúcar está uma das quatro bases nitrogenadas. A sequência de bases ao longo da molécula de DNA constitui a informação genética. Dentro da célula, o DNA pode ser observado em uma estrutura chamada cromossoma durante a metáfase. Antes da divisão celular os cromossomas são duplicados por um processo de replicação. https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81cido_desoxirribonucleico
Otimizar os genes.
Nada pode ser feito em relação ao que a natureza nos tem dado? Não se contentar com a grande loteria genética, que dota cada um de um patrimônio único,
herdado de nossos parentes e seres ancestrais? Quem nunca sonhou em poder um dia refazer suas próprias características genéticas para se tornar mais inteligente, belo, permanecer jovem por mais tempo? Algum reforço tem sido feito através da cirurgia e uso de fármacos, que oferecem pontualmente alguns efeitos corporais e cognitivos.
Editar o genoma de um adulto.
E se for possível fazer modificações de fundo no DNA? Apropriar-se definitivamente de boas bases genéticas e as integrar a alguns de nossos órgãos? Esta é a perspectiva que abre o CRISPR-Cas9, poder retocar as capacidades psíquicas e intelectuais no seio do texto genético presente em cada um de nossas células. A maior parte das pessoas apresenta genes funcionais, mas não forçosamente sua versão mais eficiente e eficaz. Uma constatação, que abre enormes perspectivas de otimização. Editar o genoma de um adulto, seria então simplesmente apelar para o uso de técnicas disponibilizadas pela terapia genética, através de transportadores microscópicos, capazes de entregar o gene de interesse, integrando-o nas populações de células visadas.
O pesquisador, George Church, que desenvolve estudos com diversos grupos humanos, estuda o patrimônio genético da longevidade de centenários para descobrir os segredos de uma juventude que possa ser durável. Levantou uma lista de 10 versões raras de genes com efeitos positivos, dos quais seis aumentam a resistência a doenças cardiovasculares (PCSK9), aos cânceres (GHR), a diabete (SLC30A8; IFIH1), a Alzheimer (APP), ou aos vírus (CCRS; FUT2).
As possibilidades de correção e a facilidade de utilização do CRISPR-Cas9 pode também relacionar-se a outros tipos de genes como: SCN9A, que reduz a sensibilidade a dor; LRPS que confere uma ossatura mais densa; MSTN uma musculatura mais robusta; EPO, que favorece a produção de glóbulos vermelhos no sangue. Todos já vem sendo estudados por razões médicas.
Dezenas de laboratórios estão convencidos de que o CRISPR-Cas9 será uma possibilidade definitiva de tratar doenças genéticas, câncer, aids, e mesmo corrigir o patrimônio genético de toda a descendência. Com esta ferramenta revolucionária os médicos esperam, de fato, ter sucesso em realizar uma cirurgia reparadora do DNA (Abdoun, Rauscher, Sciama & Tourbe, 2016).
CRISPR-Cas9, uma revolução que traz medo.Pelo fato de que se torna incrivelmente fácil qualquer manipulação de seres vivos, CRISPR-Cas9 coloca a questão de saber quem vai utilizar, com qual objetivo, com quais fins? Desde já, se impõe uma moratória sobre este avanço científico, que é portador de grande inquietude. Paradoxalmente, de todos os riscos trazidos pelo CRISPR-Cas9, a produção de embriões “sobre medida” é um dos melhores exemplos da “edição genética de embriões”, cujos efeitos posteriores sobre o adulto e sua geração são imprevisíveis. A espécie humana não é evidentemente a única afetada por intervenção genética conduzidas pelo CRISPR-Cas9. Pode atuar, como no caso do interesse agrícola, dotando outras espécies de animais, plantas, microrganismos de supergenes.
A multiplicação destes projetos coloca a questão do “Business do ser vivo”, que permite o setor privado investir na biologia, eldorado financeiro do futuro. Ocorre também o problema da “biologia de garagem”, tocado por um conjunto de equipes não oficiais que realizam manipulações fora dos laboratórios. Pode ser imaginada, toda a sorte de experiências, de mais geniais às mais tóxicas, segundo a identidade e
motivação dos experimentadores. Existe ainda o risco de bioterrorismo, no qual a fabricação de microrganismos artificiais, “supermicrobios”. Estes, podem constituir uma armada de agentes perigosos. Tornar-se uma ameaça biológica que, potencialmente, poderá pertencer a seitas ou pequenos grupos de indivíduos mal-intencionados (Abdoun et al 2016).

2.1.6-Fontes de consulta

ABDOUN,E, RAUSCHER,E, Y,SCIAMA & C,TOURBE, Bricoleurs du Vivant. Science & Vie, Nº 1.180, Mondadori France, Janvier 2016.

CRUZ,I,B,M, da. Alguns questionamentos biológicos sobre o envelhecimento e morte: Da levedura ao homem. In: Jeckel Neto, E,A. Aspectos biológicos e geriátricos do Envelhecimento, 2ª. Ed, Porto Alegre, EDIPUCRS, 2002.

HELSON,C. Accompagner le grand âge – Psycho-gérontologie pratique, Paris,Dunod, 2008.

RÖCKE,C & MARTIN,M, Ressourcen, In: Wahl,H,W, Römer, T,C & Ziegelmann,J,P, Angewandte Gerontologie, Stuttgart, Kohlhammer, 2012.

STUCK,A,E, Geriatrisches Assessment, In: Wahl,H,W, Römer,C,T & Ziegelmann,J,P, Angewandte Gerontologie, Stuttgart, Kohlhammer, 2012.

WAHL,H,W, RÖMER,C,T & ZIEGELMANN,J,P, Angewandte Gerontologie, Stuttgart Kohlhammer, 2012
https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%81cido_desoxirribonucleico


Sobre o autor:

Nelson Frederico Seiffert

Doutor em Engenharia de Produção, com a tese de Doutorado sobre Gestão Ambiental. Trabalhou em Pesquisa na EMBRAPA durante 25 anos.

Desenvolve atualmente estudos na área de Gerontologia Ambiental e Aplicada. Conduziu Seminários sobre Gerontologia Ambiental e Aplicada no NETI/UFSC em 2015, 2016 e é Diretor Técnico Científico da ANG/SC – GESTÃO 2017/2019.

E-mail: [email protected]

 

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