Artigos de Associados

O controle social e o papel das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) na defesa e garantias dos Direitos da Pessoa Idosa – FOCAPI

Autora: Maria Joana Barni Zucco2

O Cuidado Social no Brasil – ontem e hoje

 

Historicamente, o cuidado foi tarefa das famílias, principalmente das mulheres.

O cuidado não familiar – o cuidado social – no Brasil, durante séculos, foi assumido pelas igrejas, em especial pela Igreja católica, por meio da criação e manutenção de orfanatos, asilos, hospitais de caridade dentre outras instituições.

Com o passar dos anos do “período militar”, iniciado em 1964, certa resistência de “fermentação da consciência cidadã” começa a se esboçar e a reivindicar do poder público, melhores condições de vida para as classes sociais de baixa renda e para segmentos específicos da população, tais como criança, adolescentes e idosos (Zucco, Vieira e Filizola, 2022, p.81) 3

Com a instauração da Assembleia Nacional Constituinte, e pelo fato de seu Regimento Interno ter acatado a possibilidade de reivindicação popular, que contemplava as emendas populares, a sociedade pôde participar ativamente do processo de elaboração da atual Carta Magna, apresentando propostas ao texto constitucional. (ROCHA, 2008, p.135).

Conforme afirmou Ulisses Guimarães, com a nova Constituição, a democracia brasileira não seria mais apenas representativa, mas também participativa.

Assim, foram se institucionalizando formas de participação da sociedade civil na gestão decisória governamental, de cujas raízes brotaram também os Conselhos de Direitos e os Conselhos Setoriais de Políticas Públicas, para uma atuação institucional, mais democrática e descentralizada. (Zucco, Vieira e Filizola, 2022, p.83).

Nesse sentido, pode-se dizer que, a partir da CF/1988, a participação social tornou-se um direto do povo brasileiro: a Constituição estabeleceu a participação social na gestão pública como pressuposto do sistema democrático-participativo. (Zucco, Vieira e Filizola, 2022, p.84)

Mas a participação democrática e popular na governança social, instaurada pela CF/88, sofreu avanços e retrocessos ao longo das últimas décadas, decorrentes do viés governamental de cada momento histórico. (Zucco, Vieira e Filizola, 2022, p.85)

Por exemplo, com o surgimento da teoria do “estado mínimo”, houve a institucionalização do “terceiro setor” e, nesse contexto, a participação popular desvinculou-se em parte do governo e passou a se caracterizar como um movimento de solidariedade humana, assentada nas próprias bases da sociedade civil, com um viés protecionista e, por que não dizer, ainda caritativo. Não deixou de ser uma tendência importante mas, não esqueçamos que a solidariedade, por si só, não cria e nem fortalece direitos de cidadania. (Mendonça e Pereira, 2013) Na verdade, temos visto que nossas ações solidárias são mais eficazes se as tratarmos como ações políticas e cidadãs. A “Ação da Cidadania contra a fome, a miséria e pela vida”, do Betinho, por exemplo, foi uma ação solidária de grande alcance, dada a sua capilaridade e mídia, mas não institucionalizou direitos.

A partir de 2014 com a Lei 13.019 (e suas alterações posteriores), foi oferecido à sociedade brasileira o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC), dispositivo legal para o estabelecimento de parcerias entre poder público e Organizações de Sociedade Civil (OSCs). Contudo, na prática, ainda restam, por vezes, entraves burocráticos para a efetivação dessas parcerias, em especial no que concerne ao repasse de recursos financeiros às OSCs.

Hoje, as expressões “democracia participativa” ou “participação social” são muito difundidas e, apontam para a participação da sociedade em espaços públicos de interlocução com o Estado.

Assim, a grande importância, seja dos Conselhos, seja das Organizações da Sociedade Civil, como este Fórum que estamos criando, hoje, está no seu papel de fortalecimento da democracia, pela participação da população na formulação e na implementação de políticas públicas, na defesa dos direitos de determinados setores da sociedade. (Zucco, Vieira e Filizola, p. 88)

“Políticas públicas são ações concretas, como serviços, programas, projetos e benefícios que têm o compromisso de fazer valer as leis. Elas podem ser entendidas como aquilo que os governos federal, estaduais e municipais decidem fazer ou não, frente a uma situação. Para tomar esta decisão são analisados aspectos técnicos e financeiros, as demandas sociais e os problemas que os governos consideram mais importantes.” (Zucco, Vieira e Filizola, p. 86)

A organização deste Fórum pressupõe a união de forças individuais num bloco coeso, capaz de pensar mais e melhor sobre a realidade da população idosa catarinense e fazer frente diante de gestores e legisladores, na forma de demandas sociais organizadas e amadurecidas. E, também, na forma de “Controle Social” das ações governamentais voltadas para este segmento populacional.

Quando falamos em Controle Social, no contexto atual, referimo-nos aos instrumentos da democracia participativa, “no que concerne à formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e financiamento de políticas públicas”. Assim como os Conselhos, também os Fóruns podem “assumir a mediação – ou união de forças – entre o governo e as manifestações e desejos dos diferentes segmentos da população”. (Zucco, Vieira e Filizola, p. 88)

Sugiro encarar o controle social não mais e apenas como “cobrança” da sociedade civil perante o poder público. Melhor que seja um mecanismo de “aproximação/correlação entre ações governamentais e demandas da população em geral, composta por forças sociais não governamentais, incluídas nessas últimas todos os setores sociais”.”Por este “novo” controle social, novos sujeitos coletivos têm a possibilidade de participar, numa construção coletiva, dos processos decisórios da gestão governamental.” (Zucco, Vieira e Filizola, p. 89)

No caso específico do FOCAPI, estamos unindo forças para, de forma participativa, influenciarmos a decisão governamental por políticas públicas adequadas para a população idosa catarinense.

Quantos são esses idosos?

Quem são esses idosos?

Onde vivem?

Como vivem?

Do que precisam?

Quais são seus direitos?

Seus direitos estão sendo respeitados?

Quais direitos são frequentemente desrespeitados?

Como podemos garantir a efetivação dos direitos de cada segmento da população idosa catarinense?

 

Conforme BERNARDES (2007, p. 110), juntos podemos delinear um mapa/diagnóstico dessas demandas plurirrepresentativas e influenciarmos a gestão da coisa pública pela nossa participação e controle das ações governamentais: formulação de políticas públicas sociais e acesso aos espaços de decisões políticas.

Embora o controle social possa também ser exercido pelos cidadãos, individualmente, assim como os Conselhos, os Fóruns, as Associações, os Observatórios são canais institucionalizados e, portanto, em tese, mais efetivos junto aos gestores. (Zucco, Vieira e Filizola, p. 89)

Com mais organização, a sociedade civil passa a ter poder decisório para definir o que é prioridade para sua localidade e acompanhar como estão sendo aplicadas as verbas destinadas às políticas públicas.

Cabe, ainda, apontar o importante papel da “transparência”, como princípio da gestão pública. Hoje os gestores são obrigados a publicar informações administrativas sobre sua forma de conduzir as políticas públicas. Na qualidade de membros de OSCs, compete-nos aprender a utilizar as muitas plataformas disponíveis para a leitura corretas dessas informações. Com elas exerceremos nosso papel de controle social.

Por fim, acredito firmemente que fazer o “bem social” de forma isolada, é bom; fazê-lo de forma organizada e conjunta, como ato político e cidadão é muito melhor e mais efetivo.

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REFERÊNCIAS

BERNARDES, M.A.F. Conselhos de representação: espaços para os idosos se organizarem na defesa de seus direitos. Revista Kairós, São Paulo, v.10, n.2, p. 107-121, dez. 2007.

BRASIL. Lei 13.019, de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, […] Brasília, 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011- 2014/2014/lei/l13019.htm. Acesso em: 12 maio 2020.

MENDONÇA, J. M. B e PEREIRA, P. A. P. Envelhecimento, redes de serviços e controle democrático no capitalismo recente. Textos & Contextos, Porto Alegre, v. 12, n. 1, p. 142 – 151, jan./jun. 2013.

ROCHA.E. A Constituição cidadã e a institucionalização dos espaços de participação social: avanços e desafios. 20 Anos de Constituição Cidadã: Avaliação e desafio da Seguridade Social, Anfip, Brasília, 2008. p. 131-148. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/participacao/images/pdfs/participacao/ outras_pesquisas/a%20constituio%20cidad%20e%20a%20institucionalizao%20 dos%20espaos%20de%20participao%20social.pdf. Acesso em: 8 maio 2020.

ZUCCO, M.J.B; VIEIRA, T.R.L; FILIZOLA, M.L.S. Conselhos de Direitos: Mecanismo de Fortalecimento da Democracia. In: Desafios de Ser Velho e Velha no Brasil. Org. Tereza Rosa Lins Vieira; Maria Betania Buarque Lins Costa. Maceió: Edufal, 2022. p. 81-116. Disponível em: https://www.edufal.com.br/wpcontent/uploads/woocommerce_uploads/2022/08/DESAFIOS-DE-SER-VELHO__FINALIZADOjkrofv.pdf. Acesso em 28 maio 2023.


NOTAS:

1
Texto-base da Palestra apresentada por ocasião da instalação do Fórum Catarinense da Sociedade Civil pelos Direitos da Pessoa Idosa – FOCAPI, em 01/06/2023, na OAB-SC.

2

Advogada, Conselheira no Conselho Estadual do Idoso de Santa Catarina, membro da Comissão do Direito do Idoso da OAB-SC e da Associação Nacional de Gerontologia de SC – ANG-SC.

3
Por ser uma das coautoras, a palestrante tomou a liberdade de utilizar principalmente informações contidas no capítulo intitulado CONSELHOS DE DIREITOS: MECANISMO DE FORTALECIMENTO DA DEMOCRACIA, inserido no livro DESAFIOS DE SER VELHO E VELHA NO BRASIL, 2022. Ver referências.

 

 

 

 


 

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