Paulo Adão de Medeiros – Doutor em Saúde Coletiva
Foram muitos meses de angústia e espera pela chegada de uma vacina que pudesse frear a pandemia e trazer esperança de novos tempos. Nos últimos meses a comunidade científica realizou inúmeros esforços para acelerar a descoberta de um imunizante, sem abrir mão de segurança, o que vem exigindo grandes desafios.
Nesta segunda-feira, dia 18 de janeiro de 2021, foi iniciada oficialmente a vacinação contra a Covid-19 em Santa Catarina tornando-se um marco histórico em nosso Estado. A abertura da campanha ocorreu em um ato público no Instituto de Cardiologia, em São José, na Grande Florianópolis contando com a presença do Governador e de várias autoridades.
O primeiro idoso vacinado em SC foi João de Jesus Cardoso, de 81 anos, residente no Lar de Zulma (São José) desde março de 2017, representando todos os idosos que se encontram institucionalizados.
Em contato com a instituição foi disponibilizado um vídeo gravado com o idoso relatando que gostou de participar da vacinação, que não ficou nervoso e que daqui pra frente as coisas vão melhor. Ele também agradeceu a Deus pedindo a Ele para nos ajudar.
Além do senhor João foram vacinados o enfermeiro Júlio César Vasconcellos de Azevedo, de Florianópolis e a gestora ambiental Eunice Antunes (nome indígena Kerexu Yxapyry), liderança da terra indígena Morro dos Cavalos, em Palhoça.
ALGUNS PASSOS ATÉ A CHEGADA DA VACINA
08/12/2020 – A revista científica The Lancet publicou os dados preliminares da última fase de testes da vacina da Universidade Oxford em parceria com o laboratório AstraZeneca.
16/12/2020 – Lançamento do Plano Estadual de Vacinação contra a Covid-19 em Santa Catarina, estabelecendo que o trabalho de imunização da população catarinense ocorrerá em consonância com o Governo Federal e os municípios.
06/01/2021 – Os diretores e pesquisadores do Instituto Butantan participaram de uma reunião técnica e apresentaram os primeiros dados sobre a eficácia da vacina Coronavac.
08/01/2021 – O Instituto Butantan, em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac entraram com pedido de uso emergencial da vacina Coronavac na Anvisa.
08/01/2021 – A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) entrou com pedido de uso emergencial da vacina desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca/Oxford na Anvisa.
17/01/2021 – A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso emergencial das primeiras doses das vacinas contra a covid-19: AstraZeneca/Oxford e Coronavac.
18/01/2021 – As vacinas chegaram ao Estado e foram alocadas no centro de armazenamento e distribuição da Secretaria de Estado da Saúde em São José. Santa Catarina recebeu pouco mais de 144 mil doses que serão direcionadas aos grupos prioritários.
18/01/2021 – Abertura da campanha de vacinação com cerimônia na Grande Florianópolis.
19/01/2021 – Logística de distribuição da vacina para as regionais de saúde espalhadas por todo o Estado com início da vacinação pelos municípios.
OS IDOSOS COMO GRUPO PRIORITÁRIO
O Plano Estadual de Vacinação (ACESSE AQUI) tem o objetivo de operacionalizar e definir as diretrizes de vacinação contra Covid-19 no território catarinense por meio da Secretaria de Estado da Saúde. Este plano está em conformidade com as diretrizes nacionais e define que a vacinação ocorrerá em quatro etapas priorizando grupos e considerando informações epidemiológicas, comorbidades e dados populacionais.
A população idosa é considerada como grupo prioritário e por isso na fase 1 constam as pessoas com 60 anos ou mais que vivem em Instituições de Longa Permanência e idosos da comunidade a partir dos 75 anos de idade, além dos trabalhadores da saúde e população indígena. Já na fase 2 devem ser vacinadas as pessoas de 60 a 74 anos cuja a estimativa é de 844.644 pessoas.
Devido a disponibilidade restrita da vacina neste momento, o Ministério da Saúde enviou 144.040 doses ao estado e, assim, a previsão é imunizar em torno de 68 mil catarinenses, considerando que são necessárias duas doses. Portanto, definiu-se que inicialmente serão vacinadas as pessoas com mais de 60 institucionalizadas (6.026); população Indígena (7.710) e trabalhadores da saúde (54.385). A intenção é proteger os grupos mais vulneráveis ou mais expostos à infecção e fechar as possíveis cadeias de transmissão nas ILPIs imunizando, inclusive, os trabalhadores destes locais.
Altas letalidades por Coronavírus (SARS-CoV-2) têm sido associadas a pacientes idosos ou à presença de comorbidades mais comuns nestes pacientes ocasionadas por maiores déficits no sistema imunológico. As Instituições de Longa Permanência para Idosos concentram pessoas com maior perfil de fragilidade e as características de uma residência coletiva podem atuar como um agravante na propagação das infecções (BARRA et al., 2020; Lloyd-Sherlock et al., 2020; LAI et al., 2020; MACHADO et al., 2020).
De acordo com o Manifesto da Frente Nacional de Apoio as ILPIs/FN-ILPI (ACESSE AQUI), publicado em dezembro de 2020, a taxa de letalidade é muito alta entre os idosos institucionalizados, sendo que a cada 5 residentes de ILPI acometidos pela COVID-19, um falece. A FN-ILPI é um espaço democrático de estudos, pesquisas, planejamento, articulações e fomento que desenvolveu muitas ações de apoio aos gestores das ILPIs, por meio de capacitações técnicas, fóruns de discussões e reivindicação de políticas. Com o trabalho desenvolvido foi possível minimizar o impacto da pandemia nestas instituições, pois o número de óbitos entre residentes nas ILPIs no Brasil não alcançou a magnitude observada em outros países, como no Canadá, por exemplo, em que representaram 85% de todos óbitos ocorridos pela COVID-19.
Para ilustrar como foi realizado o manejo das ILPIs e o cuidado com os idosos durante a pandemia consultamos a gestora de uma instituição que nos enviou o depoimento:
“Eu destacaria algumas coisas, a primeira foi que os idosos cuidaram muito da gente também, eles estão sendo muito resilientes e sábios como a vida lhes ensinou. Muitas vezes, em situação de desespero, eles nos acalmavam, o que foi uma grande lição para perceber esse olhar de sabedoria das pessoas idosas. Também destaco que foi um desafio imenso em uma situação totalmente inusitada e inesperada, porque ninguém nunca passou por isso. Então, nós tivemos que nos reinventar com a ajuda mútua dos idosos, dos familiares, dos colaboradores, da equipe, dos parceiros e ninguém mediu esforços para que a gente conseguisse controlar o ambiente e diminuir o risco. A união foi muito importante e, logo no início da pandemia, quando ocorreu o caos a gente cogitou até mesmo o confinamento dos funcionários e todos se colocaram à disposição. Nós só podemos agradecer porque é nos momentos de crise que a gente pode contar com todos […] ainda, destaco a grande participação da família, os familiares que estavam acostumados a nunca ter horário de visita […] então as famílias tiveram uma compreensão muito especial do momento e se adaptaram aos meios virtuais, ao distanciamento, mas nunca deixaram de dar assistência, apoio e o aporte que os idosos precisam”
(Maitê Oliveira Souza – Enfermeira, gestora da Bella Vita Residencial Geriátrico e conselheira municipal do idoso de Florianópolis)
E qual o seu sentimento com a chegada da vacina?
“A palavra é esperança que essa fase logo vai passar, muito agradecida, gratidão pelos idosos institucionalizados serem prioridade na vacinação e acho que isso demonstra um olhar especial para essas pessoas que estão nessas instituições de residência coletiva. É uma demonstração de que estão sendo vistos pelo poder público de uma forma especial. Então nós só temos a agradecer e o sentimento é de esperança e de muito entusiasmo, ansiedade para que chegue logo essa vacina. Estamos na expectativa que a gente receba ainda essa semana e todos os idosos já estão super ansiosos, querem tirar foto e fazer vídeo. Estamos bem felizes, mas ainda com todo o cuidado e já orientando na nossa educação continuada com todos os colaboradores que mesmo tomando a vacina continuaremos com os cuidados que a gente vem tomando. Graças a Deus não tivemos casos e estamos torcendo para que tudo isso acabe e que essa vacina possa chegar a todas as faixas etárias para que a gente possa ter uma rotina mais normal”
(Maitê Oliveira Souza – Enfermeira, gestora da Bella Vita Residencial Geriátrico e conselheira municipal do idoso de Florianópolis)
Segundo o último boletim epidemiológico da Diretoria de Vigilância Epidemiológica / DIVE-SC (ACESSE AQUI), atualizado em 13/01/2021, os grupos mais acometidos pela infecção da COVID-19 são a faixa etária de 30 a 39 anos seguido pelas pessoas com idades entre de 20 a 29 anos. Com isso, as duas faixas etárias são responsáveis por 46% dos casos e constituem-se os grupos que tem o maior potencial de transmissibilidade. Já ao analisar os grupos que compõem as faixas etárias mais avançadas, observa-se que o percentual de infectados é muito mais baixo, porém o percentual de óbitos e a taxa de letalidade são bastante elevados. Na faixa etária entre 80 e 89 anos os infectados representam 1,3% do total de casos, no entanto, a proporção de óbitos é de 21,1%, e uma taxa de letalidade de 18,3%. De forma similar ocorre nas faixas de idade de 70 a 79 anos e em indivíduos com mais de 90 anos, os indivíduos entre 70 e 79 apresentam a maior proporção de óbitos entre todas as faixas etárias com 27,3% (conforme gráfico). A taxa de letalidade varia conforme a idade dos infectados, e quando observados apenas os indivíduos a cima de 90 anos a letalidade no Estado é de 24,6%, ou seja, a cada 100 pessoas infectadas com idade maior de 90 anos 25 pessoas foram a óbito.
IMPORTÂNCIA DA VACINAÇÃO
Natalia Pasternak, PhD com pós-doutorado em Microbiologia e diretora-presidente do Instituto Questão de Ciência em entrevista ao Jornal do Almoço, do dia 19 de janeiro, tirou dúvidas da população em relação a vacina. Segundo ela, as duas vacinas que estão disponíveis foram aprovadas pela Anvisa, que é muito séria e rigorosa, o que significa que são seguras e eficazes o suficiente para o que precisamos no momento, ou seja, são capazes de reduzir casos de doenças graves, hospitalização e morte.
Ainda, relatou que a preocupação e insegurança, principalmente das pessoas mais idosas, quanto a ato de se vacinar são legítimas, mas esclarece que a vacina não provoca a doença, pois não contém organismos vivos capazes de provocar a Covid. Toda a vacina é uma formulação inativada para enganar o nosso sistema imune o fazendo reagir com a produção de anticorpos para que no momento que a pessoa tiver contato com o vírus o organismo possa se defender de forma eficaz.
A cientista confirma que só teremos o benefício da proteção coletiva quando a maioria da população estiver vacinada. Nesse sentido, os órgãos públicos precisam acolher o medo das pessoas e desenvolver boas campanhas de comunicação e esclarecimento. Confira o vídeo na íntegra
A Frente Nacional de Fortalecimento de Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa (FFC) lançou orientações (ACESSE AQUI) para que esses importantes órgãos de controle social possam auxiliar o processo de vacinação em seus municípios: mantendo contato com a prefeitura municipal para verificar o calendário e critério de priorização da população; acompanhando a execução da vacinação no município; realizando campanha de conscientização e divulgação sobre a vacinação; fazendo contato com as Instituições de Idosos e Grupos de Idosos do município, para verificar o atendimento na vacinação e orientar no que for necessário; informando as autoridades competentes caso haja o cerceamento ou algum óbice ao atendimento do idoso para receber a vacina, além de combater as Fake News.
AS PRÓXIMAS ETAPAS…
- Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Santa Catarina tem uma população estimada de 7.252.502 milhões de habitantes;
- Recebeu 144 mil doses da CoronaVac nessa primeira remessa;
- Irá imunizar 68 mil pessoas inicialmente;
- A população estimada no primeiro grupo de vacinados é de 426.678 (fase 1);
- Portanto, a primeira remessa da vacina CoronaVac cobre 15,9% do grupo prioritário na fase 1;
Sendo assim, estamos apenas iniciando um processo de vacinação que deve se estender durante um longo período exigindo calma e conscientização de toda a sociedade. De acordo com as informações publicizadas por diversos órgãos de imprensa, o governo estadual orienta que os catarinenses acompanhem as atualizações e aguardem seu grupo ser chamado para a vacinação pelas autoridades de saúde.
A ação acontecerá em consonância com os municípios catarinenses, que são os executores da campanha junto à população. Nesta primeira etapa, a vacina contra o Coronavírus não será feita em Centros de Saúde, mas diretamente nos locais de trabalho dos profissionais de saúde e Instituições de Longa Permanência, conforme agendamento da Secretaria Municipal de Saúde.
O Ministério da Saúde alerta sobre tentativas de golpe em que criminosos simulam o agendamento da vacina para clonar dados. A vacinação contra a covid vai ser igual às outras em que as pessoas vão aos postos de saúde ou pontos utilizados em campanhas de imunização, e lá será identificada e cadastrada na hora. Por isso, orienta as pessoas que se receberem ligações ou mensagens pelo celular, com promessa de agendamento de vacinação, e solicitando dados pessoais ou outras informações, não forneçam qualquer dado e denunciem a autoridades competentes.
Além disso, é muito importante que continuemos exercendo nossa cidadania e tomando todos os cuidados sanitários como: uso de máscara, higienização das mãos e distanciamento social até que a maior parte da população tenha recebido as duas doses da vacina. Um recado urgente vai para os jovens que fazem aglomerações, participam de festas clandestinas e agem normalmente como forma de negacionismo da doença. Eles devem se lembrar que vivem em comunidade podendo ser vetores de transmissão de uma doença que pode ter um desfecho fatal aos seus entes amados, como seus pais e avós.
Para esclarecer diversas dúvidas acesse: Folha informativa COVID-19 – Escritório da OPAS e da OMS no Brasil.
Ficamos na torcida para a chegada de novas doses da vacina e que, o mais breve possível, toda a população idosa possa estar imunizada.
Fontes de consulta:
Barra RP, EN Moraes EN, Jardim AA, Oliveira KK, Bonatti PCR, Issa AC. A importância da gestão correta da condição crônica na Atenção Primária à Saúde para o enfrentamento da COVID-19 em Uberlândia, Minas Gerais. APS em Revista 2020; 2(1):38-43.
Lloyd-Sherlock P, Ebrahim S, Geffen L, McKee M. Bearing the brunt of covid-19: older people in low and middle income countries. BMJ 2020; 368:m1052 [acessado 2020 Abr 30]. Disponível em: https://www.bmj.com/content/368/bmj.m1052
Lai CC, Wang JH, Ko WC, Yen MY, Lu MC, Lee CM, Hsueh PR; Society of Taiwan Long-term Care Infection Prevention and Control. COVID-19 in long-term care facilities: An upcoming threat that cannot be ignored. J Microbiol Immunol Infect 2020; 53(3):444-446.
Machado CJ et al. Estimativas de impacto da COVID-19 na mortalidade de idosos institucionalizados no Brasil. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2020, v. 25, n.9, pp.3437-3444.
https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/reportagem/uma-vacina-para-a-humanidade
https://www.sc.gov.br/noticias/temas/coronavirus/santa-catarina-inicia-a-vacinacao-contra-a-covid-19
https://agenciabrasil.ebc.com.br/
http://g1.globo.com/sc/santa-catarina/jornal-do-almoco/videos/
http://www.dive.sc.gov.br/conteudos/boletim2020/corona34/Boletim%20Corona%20034.pdf
https://globoplay.globo.com/v/9190894/
http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/saude/index.php?pagina=notpagina¬i=22829
Perfeito, Dr. Paulo. Um belo histórico do processo de vacinação em nosso Estado, além de conteúdos informativos e referências de apoio muito importantes! Seria conveniente divulgar esse texto para todo o Estado. Como presidente da ANG SC, você poderia enviar para todas as prefeituras, em formato “Carta Aberta” (por email) já que nem todos acessam textos grandes nessas mídias sociais mais “meteóricas”.