A Prioridade Especial aos Octogenários
Ariane Angioletti
Advogada
No mês que marca o enfrentamento mundial contra a violência cometida nos idosos, foi aprovado pelo Senado o projeto de Lei que criou a chamada “prioridade especial”, para os maiores de oitenta anos. O projeto de lei foi rapidamente sancionado pelo Presidente da República, transformando-se na Lei n° 13.466/2017, que apresentam três alterações importantes:
- Artigo 3°, parágrafo 2º: “Dentre os idosos, é assegurada prioridade especial aos maiores de oitenta anos, atendendo-se suas necessidades sempre preferencialmente em relação aos demais idosos”.
- Artigo 15, parágrafo 7º: “Em todo os atendimentos de saúde, os maiores de 80 anos terão preferência especial sobre os demais idosos, exceto em caso de emergência”.
- Artigo 71, parágrafo 5º: “dentre os processos de idosos, dar-se-á prioridade especial aos maiores de oitenta anos”.
A proposta de alteração da lei trouxe como justificativa o aumento na expectativa de vida do brasileiro, já que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), afirma que até 2050 a população com mais de 60 anos irá dobrar. O Brasil, dentro de trinta e três anos, terá o dobro de idosos que tinha em 2010. É um envelhecimento populacional quatro vezes maior do que experimentou os países europeus, por exemplo.
Este envelhecimento rápido traz consigo a necessária organização e adaptação das políticas públicas, legislações e normas que apresentem a pretensão de tratar dos temas do envelhecimento e da população idosa. Um exemplo da busca por essas adaptações é a criação da “prioridade especial” dentro do Estatuto do Idoso.
A referida prioridade alcança todos os serviços e atendimentos, conforme o §2° incluso no artigo 3° da Lei Lei 10.741/2005. Desta forma, numa interpretação bastante rasa e simplista, havendo dois idosos aguardando o atendimento numa instituição bancária, caso um deles tenha 80 anos, passará à frente daquele que for mais novo. E, se a prioridade especial considerou a idade como meio de acesso ao atendimento prioritário, pode-se considerar que mesmo entre as faixas de idade, os mais velhos terão o direito de passar à frente dos mais novos?
Havendo idosos de 73, 79, 82 e 95 anos, a prioridade de atendimento deveria, então, seguir a ordem decrescente para o atendimento? Talvez a dificuldade de aplicabilidade da regra de forma geral, vá fazer com que esta primeira alteração não alcance sua concretização ou a adesão por parte das instituições bancárias e do comércio.
Já no artigo 15, o parágrafo 7° apresenta a aplicação da “prioridade especial” nos atendimentos de saúde, deixando claro que a classificação de risco do paciente, ainda é a forma de indicar quem será atendido primeiro. É importante salientar que esta classificação não considera idade, orientando-se pela gravidade clínica, potencial de risco, de agravos à saúde ou grau de sofrimento do paciente.
Então, no artigo 15, §7°, é dada a prioridade para os idosos com mais de 80 anos para acesso ao atendimento de urgência e emergência, quando todos que aguardam foram classificados no mesmo risco – geralmente o primeiro nível da classificação, onde o paciente não corre riscos. Também cria o acesso prioritário para consultas médicas,
encaminhamento e realização de exames e de cirurgias eletivas.
Esta mudança é de suma importância para trazer maior qualidade de vida ao idoso e, ainda, evitar o surgimento de outras patologias originadas na demora do atendimento médico. Como falado, a população brasileira está envelhecendo rapidamente e vivendo mais, o que não significa que envelheça com qualidade de vida.
Os idosos de hoje envelheceram atravessando um período em que hábitos como fumar, consumir bebida alcoólica ou comer alimentos industrializados, eram hábitos incentivados pela mídia e conferiam um certo status social. Este é um exemplo do reflexo de um número bastante grande de idosos com problemas de saúde, que dependem de atendimento. Vislumbra-se facilmente o aumento significativo de processos administrativos e judiciais para buscar a priorização do atendimento de saúde para os idosos com 80 anos ou mais. Hoje, o Brasil tem mais de três milhões de idosos que teriam acesso à priorização.
Já nos processos judiciais, a obrigatoriedade de processamento prioritário, é de fato um direito relevante. A morosidade judicial é um entrave a ser vencido em toda a caminhada processual, por todo aquele que ingressa judicialmente com um processo em busca dos seus direitos. Sabe-se que muitos idosos acabam por falecer antes de terem seus pedidos julgados. Em determinados casos, esse não julgamento se reflete na sucessão aos herdeiros, por exemplo, que acabam recebendo dívidas que não eram reconhecidas pelo próprio idoso.
A prioridade processual é algo que precisa ser melhor apreciada. Hoje, além dos idosos, podem solicitar prioridade processual as crianças, os adolescentes, os enfermos, as pessoas com deficiência e aqueles que tem o perecimento do seu direito em risco. Ao serem protocolados, os sistemas de peticionamento eletrônico dão ao advogado a opção de marcar a prioridade de julgamento pretendida. Mas o que acontece com essa prioridade? Ela acompanha o processo, com uma marcação que aparece na tela para os servidores que operam o sistema. Porém, não é sabida a forma com que são conduzidas.
Os processos prioritários passam à frente de todos os outros processos? Ou somente recebem este tratamento quando o advogado insiste para que seja aplicado esse tratamento? Existe uma métrica de atendimento? Algo como: “para cada “x” de processos prioritários, são movimentados “y” de processos não prioritários?
Em suma, de nada adiantará a alteração no Estatuto do Idoso, se o acompanhamento e processamento dos processos não forem conduzidos por um mecanismo de acompanhamento e de transparência sobre como as varas deverão proceder ao receber o peticionamento de processo com prioridade.
As alterações de lei, bem como a criação de normas que visem garantir os direitos dos idosos, num país que envelhece rapidamente, é fundamental para que o acesso aos direitos, serviços e atendimentos sejam garantidos. Porém, além da construção de normas, a organização do atendimento aos dispositivos legais é vital para que as leis realmente vigorem.
O Brasil acostumou a conviver com leis vigentes que “não pegaram” principalmente pela inércia do poder público na adesão e adequação de suas rotinas. As alterações realizadas no Estatuto do Idoso, precisam “pegar” e de forma urgente. Os idosos aguardam pelo pleno atendimento das suas necessidades e interesses e isto passa, essencialmente, pela organização dos atendimentos prioritários nas esferas dos três poderes, assim como na iniciativa privada.
Sobre a Autora:
Ariane Angioletti
OAB/SC 31.155
Membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina – IASC
Membro da Comissão do Direito do Idoso da OAB/SC
Membro da Comissão do Idoso do IASC
Conselheira no Conselho Estadual do Idoso – CEI